terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Meus sentidos


Ouço,

Farejo,

Vejo,

Percebo, então,

O quanto, o tanto...

Estou vazia

E não agradeço...

O quanto sou falha

E só falo...

O quanto não faço

Não mereço...


Fujo de me despir

Fujo de mim

Não quero ver

E me ater

A me perceber

Que o falar seja de outro

Que o exalar venha de outros

Que a exposição seja do outro.


E me rendo a minha própria armadilha

Não resisto

Não faço, mais uma vez

Não grito, de novo

Não falo,

Não quero,

Não exalo,

Não mudo.


Não sou...

Mais uma vez.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Porta fechada




E o interruptor estragou! Escuro e frio. Ele fica ali no canto, de pernas juntas e dobradas. Ele as abraça. Porque é o que tem pra abraçar. São elas o seu consolo. E se joga nelas. E as ama, porque só as tem pra amar.


Não há janela e, na verdade, se há, não dá pra achá-la. Tá tudo triste.


A porta está fechada há anos. E por dentro. Para ele ficar ali.. no canto.. em paz... com suas pernas.


Não dá pra olhar para o lado, não vê nada em cima, mas se acostumou com isso. De vez em quando, inventa de querer, de sonhar de sair, de voar, de ver por uma janela. Mas está cego. E triste. E parado. Só anda em pensamento.


Não vive o que devia. Se tranca. Não faz como queria, só sonha. Só imagina.


E o pesadelo é o que lhe resta de concreto, mas não tem mais medo, porque no escuro só tem ele e suas pernas. Ninguém vai aparecer....nem fantasma... porque ele trancou por dentro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Aninha e Alfredo



Aninha vivia desde adolescente algo que já era acostumada. Era natural: o ódio. E isso funciona assim: quando se odeia alguém, a ira pode ficar contida, o sorriso é capaz de aparecer, o cumprimento, talvez até um abraço. Respira e conta até 1000 se preciso. Se isso não acontecer, pode se perder outros amigos, outros colegas. A sociedade e os outros não aplaudirão uma demonstração de descontentamento. Mas, na verdade, Aninha vivia outra realidade. Ela não tinha problemas com ninguém. E sabe? O ódio dela era por ela mesma! Então, quem a impediria? Ela se odiava e demonstrava isso sempre que podia em forma de auto-boicote. Ela se boicotava, se odiava e se perdia cada vez mais. Afundava-se nos seus próprios conflitos e desleixos. Quem era ela pra ver o sol amarelo ainda? O sol tinha que ficar cinza e as tardes tristes de chuva tinham que entoar o cântico do seu coração. Nada poderia ser bom e feliz. Qualquer um sabia da felicidade, menos Aninha.

Alfredo sabia, e sabia muitas coisas. Sabia que o sol poderia ser da cor que ele quisesse, ele conhecia o céu, ele gostava da calmaria das tardes de chuva. Sabia como aproveitá-las. Para ele a vida era demais, a vida tinha vida, cor e canção. Muita canção. E melodia gostosa. Amigos eram irmãos muito queridos. Que soletravam juntos o significado esperançoso do futuro. Que sonhavam juntos em viajar pelo mundo. Que sofriam, tinham conflitos mas os superavam com uma disposição gingante de cuidar da pérola da vida, do motivo da existência. Ele sabia.... sabia sobre o amor! Ele se amava e amava a vida! O amor deixava seus dias melhores, o amor o transformava em dançarino. Dançarino bem ritmado!
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Um encontro de dois mundos aconteceu.
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Despedida e desencontro se sucedeu.
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Despediu-se do cinza: agora, para Aninha, o sol pode ser colorido e gosta de imaginar as cores que ele pode ter. Há sim motivos para se rir da vida.
E desencontrou-se da sabedoria: Alfredo desaprendeu a aproveitar as tardes de chuva. Não gosta mais delas.
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Encontraram-se na vida e mudaram de rumo, mudaram de alma.
Traduziram, então, o que significava relacionar. E entenderam o caminhar de mãos dadas. O caminhar de dois mundos.