sexta-feira, 2 de maio de 2008

Sobre nós


A televisão anuncia os dramas da vida real. Pela janela um cinza e uma chuva fraca e infinda. No andar de cima quietude e silêncio.

Aqui embaixo não olhamos para isto. Não enxergamos nem a nós. Estamos tão livres de nós que vivemos respirando o ar que desejamos. Respiramos um ar diferente de antes.

Já vivemos tanto juntos.... e cada encontro o ar é único. O clima é único. O clima de hoje é mais que frio, o céu tem outras cores além de cinza. Ainda não sei o nome dessas cores, ainda não sei dizer desse outro clima.

Os anúncios, o céu, o andar de cima não podem ser todo o nosso sentir. São eles e algo mais. Eles não definem nosso viver. Somos livres, ninguém poderia nos definir. Nem nós nos definimos mais. Vivemos. Voamos. Livres.

A televisão insiste em seu parecer sobre nós e sobre o mundo, o céu e a natureza ainda nos desejam uma cor, um clima, anseiam definir nossas horas e o nosso dia. O andar de cima se cala. Mas ninguém rouba a nossa leveza, a brisa que nos embala, as asas que usamos sempre. O sorriso e a paz de ter a altura do nosso mundo.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ausente


Olha para mim e me diz se eu não sou idêntica à sua decepção. Não é auto-piedade. Não querida, é que me vesti do que fizeram contigo e agora faço com o meu próximo. Justo eu que ouvi todas as suas mágoas, justo eu que quis tanto acolher-te agora causo a mesma dor. Causo e agora precisam de colo. Mas não do meu. Não posso ter um colo que sirva de consolo, sou o colo do desgosto. E me fiz tão desgosto quanto o que você um dia sentiu. Magoei alguém e magoei na mesma medida que te magoaram. Por favor, não há nada que me caiba fazer. Não há nada, nada. Vá lá por mim, então. Vá lá servir de consolo, minha amiga. Vá lá que você entende, vá lá que já fizeram isso contigo.

E quanto a você, meu atingido. Não posso dizer desculpa, nem pedir perdão. Não tenho como encarar-te. Fiz a maldade que não poderia com quem nada disso merecia. Você foi sincero demais para ter uma decepção desta como resposta. Mas vê pelo lado bom, o que restou a ti foi um lugar sem mim. O que sobrou disso tudo foi um lugar a salvo. Porque a mim restou um lugar sombrio, sem você e mais longe de mim. Restou o amargo. A ausência da culpa. Restou a ausência.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Chuva



Deixou no chão a última peça e delicadamente caminhou nas pontas dos pés. E como um dedilhar cada passo era um toque singelo. Quiçá o chão sentisse, sentiria tamanha leveza que lhe seria carinho.


Um frio com raízes internas e um frio que lhe subia do chão, pelos delicados pés.

Já era tarde, e seu sentimento de solidão transpunha a pele, transpunha os limites da alma, alcançava o corpo. Seu corpo respondia a solidão, estremecia de frio. Tanto que, de repente, o frio era real. Na mesma medida da solidão.


A luz amarela fraca no banheiro trazia doces lembranças. Dos dias naquela velha casa, com aqueles seus velhos: velhos amigos, velhos hábitos, velho quarto, velho refúgio, velho ser...
Estava em silêncio. E queria sentir. Pensar era excedente para este momento tão transcendental de se aquecer, de tocar. Um sorriso surge sim ao se deparar com essas doces lembranças. Mas ansiava rodar a torneira e sentir a água quente relaxando e tocando seu corpo. Precisava do toque, e a força, a harmonia com que ela desceria nos muitos pontinhos acima de sua cabeça, proporcionariam quietude. Os pés, então, se interrompem na sua jornada. E assumem o natural de si, a sabedoria de escolher o caminho, a sabedoria de andar... voltam. Apagam a luz. Agora ninguém atrapalharia seu momento. Nem as mais doces histórias interromperiam o toque que a água lhe seria. Nem um só som mudaria o silêncio e a paz desta chuva.

Abre e sente. Molha seus cabelos e umedece o corpo até amolecer a alma. Fecha os olhos. Não existe mais mundo. Só os seus sentidos e a chuva. Sente o derreter da solidão, o desaguar de si. O carinho. A chuva e o amor.

E agora percebe como é incrível ser um conjunto de tudo isso. Um conjunto de secura e umidade, um conjunto de alma que esfria o corpo. Um conjunto de corpo que esquenta a alma. Um misturar de si com a chuva.


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Ah...fui indicada lá no Entre Vistas (http://entrevistasvirtuais.blogspot.com/) ...