quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ausente


Olha para mim e me diz se eu não sou idêntica à sua decepção. Não é auto-piedade. Não querida, é que me vesti do que fizeram contigo e agora faço com o meu próximo. Justo eu que ouvi todas as suas mágoas, justo eu que quis tanto acolher-te agora causo a mesma dor. Causo e agora precisam de colo. Mas não do meu. Não posso ter um colo que sirva de consolo, sou o colo do desgosto. E me fiz tão desgosto quanto o que você um dia sentiu. Magoei alguém e magoei na mesma medida que te magoaram. Por favor, não há nada que me caiba fazer. Não há nada, nada. Vá lá por mim, então. Vá lá servir de consolo, minha amiga. Vá lá que você entende, vá lá que já fizeram isso contigo.

E quanto a você, meu atingido. Não posso dizer desculpa, nem pedir perdão. Não tenho como encarar-te. Fiz a maldade que não poderia com quem nada disso merecia. Você foi sincero demais para ter uma decepção desta como resposta. Mas vê pelo lado bom, o que restou a ti foi um lugar sem mim. O que sobrou disso tudo foi um lugar a salvo. Porque a mim restou um lugar sombrio, sem você e mais longe de mim. Restou o amargo. A ausência da culpa. Restou a ausência.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Chuva



Deixou no chão a última peça e delicadamente caminhou nas pontas dos pés. E como um dedilhar cada passo era um toque singelo. Quiçá o chão sentisse, sentiria tamanha leveza que lhe seria carinho.


Um frio com raízes internas e um frio que lhe subia do chão, pelos delicados pés.

Já era tarde, e seu sentimento de solidão transpunha a pele, transpunha os limites da alma, alcançava o corpo. Seu corpo respondia a solidão, estremecia de frio. Tanto que, de repente, o frio era real. Na mesma medida da solidão.


A luz amarela fraca no banheiro trazia doces lembranças. Dos dias naquela velha casa, com aqueles seus velhos: velhos amigos, velhos hábitos, velho quarto, velho refúgio, velho ser...
Estava em silêncio. E queria sentir. Pensar era excedente para este momento tão transcendental de se aquecer, de tocar. Um sorriso surge sim ao se deparar com essas doces lembranças. Mas ansiava rodar a torneira e sentir a água quente relaxando e tocando seu corpo. Precisava do toque, e a força, a harmonia com que ela desceria nos muitos pontinhos acima de sua cabeça, proporcionariam quietude. Os pés, então, se interrompem na sua jornada. E assumem o natural de si, a sabedoria de escolher o caminho, a sabedoria de andar... voltam. Apagam a luz. Agora ninguém atrapalharia seu momento. Nem as mais doces histórias interromperiam o toque que a água lhe seria. Nem um só som mudaria o silêncio e a paz desta chuva.

Abre e sente. Molha seus cabelos e umedece o corpo até amolecer a alma. Fecha os olhos. Não existe mais mundo. Só os seus sentidos e a chuva. Sente o derreter da solidão, o desaguar de si. O carinho. A chuva e o amor.

E agora percebe como é incrível ser um conjunto de tudo isso. Um conjunto de secura e umidade, um conjunto de alma que esfria o corpo. Um conjunto de corpo que esquenta a alma. Um misturar de si com a chuva.


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Ah...fui indicada lá no Entre Vistas (http://entrevistasvirtuais.blogspot.com/) ...

domingo, 20 de abril de 2008

Suposta indiferença




Avisto-te ao longe. Olho pra cá, me pergunto se deixo esse silêncio persistir. Sabe que não existe nada mesmo nesse ar que respiramos. E já te disse isso. Mas no coração pulsa uma incerteza latente do todo que fora dito. Do todo que fora assumido. E de volta tenho a dúvida: qual é o problema, então? O problema não é você e nem eles. Nenhum deles. Nenhum de vocês. O problema insiste em morar comigo, meu amigo. Mora comigo. Mora aqui essa síndrome, esses não- resolvidos-sentimentos.

Então não falo. Não pergunto. Não cumprimento. Passo de largo, e olho pra cima, olho de lado, pra baixo, menos pra você. Pode ser pedante ao seu ver, mas saiba que é fruto de uma incerteza paciente que não foge daqui, uma angústia cruel de assumir te conhecer, de assumir conhecer o amor. De admitir minha identidade. Passo de largo. Não te vi. Será que você me viu?


Será que logo você que é tão cheio de si, tão resolvido, que mora tão longe dessas incertezas, desses não-resolvidos, será que você alguma vez já passou de largo? Será que você entende o que é esse passo que se mostra tão indiferente?

Você vê, você pega, você vive. Sabe o que pensa, você é realista. Você passa, cumprimenta e espera. Espera a resposta. Você espera. Mas não te conheci. Não te vi.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Campanha contra o analfabetismo!



Mais que não decifrar códigos de escrita, ser analfabeta é viver à margem da sociedade. À margem de uma rotina de vida centrada na escrita. E nós, alfabetizados, nem percebemos, nem conseguimos imaginar mais como é viver fora da esrita, já que estamos tão acostumados a este estilo de vida.


Este post é em defesa de uma educação democrática de qualidade para que o saber seja direito de todos, que a cidadania seja plenamente exercida, que os olhares se voltem para os marginalizados, que os marginalizados tenham acesso à consciência de si, de seu papel social e que a luta nos leve a algum lugar. A um melhor que este!
O que fazer contra o analfabetismo?
1) Formação do educador - Acredito que cabe aqui citar Paulo Freire que nos deixou uma herança riquíssima e reconhecida internacionalmente. Os educadores devem investir na sua formação, o governo deve investir nessa formação! Paulo Freire (principalmente na Educação de Adultos) tem um papel importantíssimo! Que seja incentivado a leitura de seus textos, que seja real essa formação crítica e prática, rica teoricamente e capaz de relacionar com a rotina do trabalho.
2) O valor do Educador - O profissional da educação carrega consigo uma responsabilidade social muito grande e a sociedade civil tem o DEVER de reconhcer isso. É papel das autoridades e dos cidadãos valorizar o educador. Que seja reconhecido seu valor no aumento dos salários, no tratamento como um ser merecedor não só de respeito mas de admiração. Que seja reconhecido o valor do seu trabalho!
3) Que o educador tenha consciência de seu papel social, do que implica sua ação. E que sua ação não seja uma prática pela prática, mas que se baseie em uma reflexão e entendimento crítico, um entendimento que gere uma nova prática.
4) Que o governo invista na Educação Básica.
Que a luta contra o analfabetisnmo seja percebida na sua completude. Na sua completude já que não se restringe a aprender a ler e a escrever, pois não pode-se desconsiderar o processo de tomada de consciência! A luta não pode estar vencida se todos tiverem acesso à 1ª série do ensino fundamental. Se isso acontecer, será um avanço, mas não o fim da luta! Pois a luta é por essa consciência, é por uma Educação completa, uma Educação democrática de qualidade!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Silêncio...


As palavras me são problema quando pronunciadas. Saem como que sem rumo e tantas vezes tomam um caminho incerto, indevido. Não podem ser apagadas, já se foram e nunca mais retornarão. Retomam sua vida própria, retomam sua altivez e são interpretadas por aí de alguma maneira, nem sempre atingindo o objetivo inicial: o meu objetivo. Mas quem é o dono delas afinal? São tão loucas essas palavras, são tão próprias que, ao pronunciadas, se tornam auto-suficientes e fazem o seu próprio percurso. Espanto-me com elas. Amedronta-me tamanha vivacidade.

Sentimentos meus tão íntimos são tentados a se exporem, mas essas maldosas palavras que estremecem qualquer ser pensante, os sufoca. Sentimentos esses que continuam ali, vivos, se enrijecendo, se petrificando. Petrificam-se por não se exporem, por não se posicionarem de uma vez por todas, por não refazerem-se através da oralidade. Antes, fazem mal a si próprios numa ilusão insana de engrandecer o poder dessas palavras, de exaltá-las na sua crueldade. Quanta auto-piedade!

Cruéis palavras que são tão minhas quanto esses auto-piedosos que parecem inexprimíveis sentimentos.

Luta interna. Silêncio.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Reencontro

Acho que aqui é o melhor lugar. Acho que aqui é onde a gente pode chegar pertinho e olhar nos olhos um do outro novamente. E veja. Olhe bem. Há tanta tristeza no meu canto do quarto, no meu olhar baixo, que não posso conter essa enxurrada de lágrimas salgadas que chega até meus lábios, amargando a alma. A luz no meu canto está fraca. Bem fraquinha. Mas não existe aquele tom romântico rústico, existe a velha tristeza fria que cala, que arranca as palavras. Agora você vê?
Admito que fracassei. Fracassei ao tentar decifrar esse meu sentimento a você. E não poderia persistir na tentativa, não poderia. Você veio quando soou minhas badaladas, quando a areia branquinha daquela minha ampulheta deslizou-se por completo e anunciou o momento. O momento da minha desistência, o momento que dei conta do meu cansaço. E você percebeu essa areia, ouviu as badaladas. Você atendeu... você está aqui!
Aqui, ao olhar-te, tenho de volta o meu abrigo, esse teu sorriso de menino que é só meu. Já te disse isso muito, mas assim como não canso de repetir, você nunca se cansa de ouvir, o quanto teu sorriso me chama atenção quando nos reencontramos. O quanto teu sorriso me lembra toda a história, as boas lembranças, me lembra você por completo. Lembra desses nossos encontros aqui e me faz retornar a minha casa, a minha essência.
E agora.... ah.. agora posso transbordar a luz que faltava ali no canto só de fitar teus olhos e sentir que fitas o meu olhar tão verdadeiramente, tão profundo. Essa troca de olhares parece, por um instante, ser suficiente já que há o encontro de nossas almas. Parece então, traduzir tudo nosso, porque sabemos nos comunicar com os olhos e nos entendemos tão bem. Mas sabe? Pra mim o nosso encontro não terminou aqui. Não terminou nesse olhar. Ainda quero saber o que há além do teu sorriso, quero enxergar e tocar no teu sentimento, pois não posso continuar tão longe do que é você. Quero me aproximar. Quero me recostar. Quero poder te encontrar sempre por aqui. Quero só poder ver o que é que há agora em você. Desejo saber do teu canto do quarto. Quanta luz há ai? Ainda dá pra ver da janela? E contemplar esse céu chuvoso nosso? Vamos? Abre sua porta e me deixa ver, me deixa tocar, me deixa decifrar.....

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Junção única de vida


Que diferença fará?
Se morrer ou prosseguir a respirar?
Se inchar ou desinchar?
Subir ou não?
Querer então,
Ser ou não!


Se os ventos soprarem
e arduamente se esforçarem
e expressar, e falar, e falar...
De nada vai adiantar!


Não sei o medo!

Não sei o medo, nem o amor, nem a alegria....
Não sei o visível..

Que diria desse invisível sentimento?

É a própria vida...
Juntam-se, então, meus desconhecidos,
Meus não-limitados em palavras,
Meus experimentados em um pulsar,
Juntam-se, e o são!São vida!
Já não sei a própria vida!

Antes a junção - essa vida aqui - fosse de outro
Antes existissem duas delas...
Ah.. mas é tão única, é passageira!
É tão minha
É só MINHA!